Zéfiro

Não sei se os senhores sabem, mas, por aqui, o melhor vento é o que sopra de madrugada. E onde ele venta melhor é no alto da torre. Ali, dá para apanhar um vento de ótima qualidade, com bom preço nos mercados para além de Onde o Vento Faz a Curva.

É por isso que saio bem cedo, muito antes do sol nascer, e subo a torre, levando minha rede de apanhar vento, os tubos, os alforjes e a balança. Fico esperando a ventania e, quando ela começa, é só lançar a rede, encher os tubos, pesá-los para ver se não têm vento de mais ou de menos, coloca-los nos alforjes e seguir para os mercados.

Há quem use tubos plásticos. São mais leves e podem ser levados em maior quantidade, no lombo das bestas, sem sobrecarrega-las. Prefiro os tubos de vidro, embora sejam mais caros e pesados. É que o vidro é feito no sopro e por isto conserva melhor o vento. Transporto menos tubos, mas meu vento tem preço maior e só vendo para os clientes mais exigentes.

O vento que levo aos mercados é muito apreciado e garante o sustento da família, com o modesto conforto que os senhores podem ver. Até mesmo alguns pequenos luxos, como a flauta que ouvem minha filha tocar. Há reinos, além de Onde o Vento Faz a Curva, nos quais todos os instrumentos de sopro são proibidos. Até mesmo assobiar pode gerar multa ou mesmo prisão.

Nestes reinos, dizem, um bom tubo do Siroco africano pode valer um palácio! Também ouvi histórias sobre reis que trocaram as mãos de suas filhas por tubos do Minuano, que sopra em terras muito, muito distantes. Não sei o que há de verdade nestas histórias. O certo é que muitos mercadores fazem fortuna vendendo ventos raros nos confins além de Onde o Vento Faz a Curva.

Por aqui, estes ventos têm muito valor, mas não a preços tão exorbitantes. São artigos de luxo. O que se consome no dia a dia é o bom vento da terra. Nas festas, costumamos abrir tubos de Mistral ou Karajol, até mesmo um Bise, se a ocasião é muito especial. Tenho um tubo do Bora adriático guardado para o casamento da filha mais nova.

No meu casamento, abrimos um Simum desértico, presente de um tio de minha falecida esposa. Foi um acontecimento! Ao fim da festa não havia mais ninguém em pé... Aquele sim era um vento forte! Pobre tio: trazia ventos da África para vende-los além de Onde o Vento Faz a Curva. Enriqueceu, mas acabou morto em uma tempestade de areia. Ossos do ofício.

A moda agora são os tubos de tornados e furacões. Não me meto neste negócio: é muito arriscado. Fosse mais jovem, talvez me aventurasse em apanhar um tornadozinho, mas tenho estas moças para casar e estou bastante satisfeito com o vento que sopra de madrugada no alto da torre.

Se hoje os senhores me encontram aqui é porque o dia está sem vento e pude folgar para recebe-los em minha tenda. É uma pena que estejam de partida, caso contrário poderia mostra-lhes a arte de apanhar vento ou apresentar-lhes os mercados além de Onde o Vento Faz a Curva. Quem sabe em uma outra ocasião? Deixem-me presenteá-los com estes tubos, são de uma safra especial: apanhei o vento antes da tempestade e ainda dá para sentir a eletricidade nele. É um vento afrodisíaco, por isso não o consumam todo de uma vez.

Caso encontrem alguma caravana pelo caminho, peçam-lhes, por favor, para passarem por aqui. Tenho alguns tubos de vento barato, que comprei para ajudar uns rapazes iniciantes e que não posso vender nos mercados. Sabem como é, preciso manter a reputação do meu produto. Quando chegarem às suas terras não deixem de falar dos ventos que sopram por estes lados e a respeito deste humilde mercador.

Sigam em paz e que bons ventos os levem!