O Buço

Ana Maria e Mariana são gêmeas idênticas e fazem questão de permanecer assim. Usam roupas iguais, o mesmo penteado, andam por aí como se uma fosse o reflexo da outra.

E é diante do espelho que tem início a trama.

É manhã. As irmãs fazem suas abluções, quando Mariana nota, bem ali, no rosto de Ana Maria, um pelo! O prenuncio de um buço! O despertar da puberdade!

Atônita, Mariana vê que a irmã também descobre o pelinho (não passa de um pelinho). Ana Maria sorri constrangida, mas orgulhosa, surpresa em sua metamorfose.

Doente de inveja, Mariana vasculha o próprio rosto em busca de uma penugem qualquer, algo que possa lhe igualar à irmã. Mas não há nada! Sua cara está lisa como a bunda de um neném.

Mariana dispara casa à fora e sobe no telhado. Por que? Porque eu preciso de alguém em cima do telhado nesta história! Então Mariana corre para cá e clama contra a injusta natureza: “por que não nasceu um pelo em mim também? Porque nela e não em mim!?”.

Logo chega Ana Maria, lívida como quem vive uma grande tragédia, e tenta consolar a irmã: “Vê, não tenho mais pelo! Eu arranquei com a pinça”.

O nobre gesto de empatia não surte efeito; a inveja cravou suas presas no amor fraterno. “Some daqui bigoduda, metida a besta!”, grita Mariana, espantando os outros pardais que estavam por ali, alheios ao drama.

É outro dia. Na verdade, outro ano. Esqueci de contar que os episódios narrados se passaram ontem, 31 de dezembro. Não que isto tenha alguma relevância para o enredo, mas este é um conto sob encomenda e hoje tem que ser o primeiro dia do ano.

Voltemos às gêmeas. Elas continuam univitelinas, mas já não são idênticas: Ana Maria veste uma roupa mais justa que de costume e tem um brilho nos lábios, os cabelos meticulosamente arrumados. Mariana tosou os cabelos, usa calça de moletom e uma camisa do Motor Head, surrupiada do pai.